Mais uma morte em Teresina. Nada de extraordinário, só mais um atropelamento. Foi tão insignificante que nem atrapalhou a música ao vivo na lanchonete e churrascaria Pirilanches, a 40 cansativos metros do acidente. Foi até relaxante para os policiais, que fizeram a perícia do ocorrido ao som de clássicos do The Feveres e do hilário melô da menina virgem ("estou guardando o que há de bom em mim, para te dar quando você chegar").
Tudo aconteceu em frente ao apartamento onde moro. Da janela do quarto a vista era privilegiada. Mas, quem se contenta apenas em ver? Eu queria perguntar, apurar, ouvir uma descrição detalhada daquela morte, saber quem era o defunto estendido na pista.
Chovia fino quando encostei na grade do condomínio. Um pedestre curioso, que observava a cena há mais tempo, foi a vítima do meu "instinto urubu".
- Ei, foi carro ou moto?
- Carro!
- O motorista fugiu?
- Não! Foi aquele carro vermelho ali.
- Hum... Caba novo, né?
- Pois é...
E foi tudo. Incomodado com meu interrogatório o sujeito retirou-se e tive que engolir outras perguntas.
Fiquei ali, pegando chuva, com a cara encostada no ferro gelado da grade e tirando minhas próprias conclusões. O homem negro deitado de braços abertos no asfalto estava descalço, de camisa regata e com um chorte curto, desses de jogar bola. Era pobre, com certeza! Um bem de vida não ficaria duas horas e meia jogado numa avenida molhada, exposto a olhares curiosos, apenas com o rosto coberto, para só depois ser recolhido no porta malas de um carro da polícia.
Ninguém chorava por ele. O sangue escorria da cabeça machucada e se misturava à correnteza do esgoto, enquanto a festa no Pirilanches, a vida dos curiosos, os carros na avenida e a chuva passavam. Só aquela vida parou. Não deu nem notinha no jornal.
“Ele vivia bêbado e drogado. Era de costume entrar na frente dos carros. Demorou a morrer”, tentou justificar uma quase vizinha do corpo.
Chega disso! A vida e a morte estão banalizadas. Se não for bárbaro, extraordinário, anormal, o homicídio culposo ou doloso não choca, não comove, não chama atenção de ninguém. Foi preciso um menino ser arrastado até a morte por bandidos em fuga para um publicitário criar peças visuais contra a violência e o assunto entrar na pauta do congresso. E os outros? Os sujeitos que durante a vida são apenas números a baixo de uma tal linha da pobreza e mortos viram estatísticas? Aqueles que entram no tráfico ainda crianças? Que a espectativa de vida contradiz qualquer levantamento censitário? Que morrem desnutridos, assassinados debaixo de pontes, por uma bala sem alvo ou após uma dose exagerada de cocaína?
E não me venham com desculpas baratas. Não culpem apenas o crescimento desigual. Nos Estado Unidos da América, G.W. Bush comove-se com 32 mortes na Universidade da Virgínia e dizima por vaidade governamental sociedades inteiras no Afeganistão e Iraque. É diferente? Ah! Esses países são verdadeiras fábricas de terroristas, então as vidas valem menos. Hummmmm...
Enquanto bandidos e policiais aplicam a pena de morte nas periferias do Brasil,
os políticos atuam embasados na lei do “quem dá mais”,
a mídia veicula “o que vende mais”
e na nossa casa, “o nada de mais”.
O mundo perdeu a capacidade de comoção e indignação. Quem se importa!?
gostei, Rômulo!
ResponderExcluirgosto de suas colocações, seus trocadilhos em palavras das frases-feitas q exitem por aí...
e concordo c vc. nossa indignação beira ultrapassou a barreira do conformismo, e estende-se pelo comumente banal, pelo 'acontece todo dia' e pelo 'nada de mais', como vc diz. nada mais nos comove, nos revolta, nos faz manifestar; nada mais nos choca a não ser aquilo q nos agride, agride nosso corpo ou nossa moral. se ultrapassa os limites da liberdade de vida do outro, já não é da nossa conta. estamos na beira... de onde, eu não sei. mas estamos beirando. nos colocando à margem de qualquer responsabilidade ou consideração com aquilo q chamamos de sociedade, comunidade ou mesmo família. individualismo, velocidade, cegueira, arrogância, incredulidade, inércia. chame-se do que for. nós estamos.
O pior é que talvez tenha perdido mesmo. aconteceu algo semelhante hoje comigo. Dá uma lida no meu blog ou pergunta para a mayara que ela te conta.
ResponderExcluirFalou!
É dessa extrema capacidade de indgnação que vc tem e de muitas outras qualidades,q eu me orgulho de ti..se 15% da população tivesse ao menos a metade dessa tua capacidade^^Mas infelizmente existimos num mundo onde viver é difícil,onde a 'verdade e a ideologia' é transmitida pela mídia,a realidade é que apenas aceitamos tudo calado,deixando passar VIDAS,CRIMES e não fazemos nada..e a culpa? Sociedade e autoridades mazelas!
ResponderExcluirtô contigo painho!
ResponderExcluire digo mais: quero ver alguém botando florzinha no msn por esse coitado aí! Que talvez nunca teve dinheiro suficiente pra comprar uma passagem de avião daqui pro Sul do país, né?
é uma palhaçada mesmo...
:/
P.S.: te add no meu blogspot! =***
Sou adepto do lema: se cada um faz a sua parte, como no Canadá, na Rússia, e outros países ditos de "frio comportamento" já seria bem melhor o mundo!
ResponderExcluirótimo texto. apesar da morte, chega a ser hilário... parecia que eu estava lendo Piauí... mas só até o "chega disso".
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