22 fevereiro 2007

MARIA DA INGLATERRA: MADE IN PIAUÍ


“Tem o Rei do Baião, que é Luiz Gonzaga. A Rainha do Xaxado, Marinês. O Rei da bola, Pelé. O Rei da juventude, Roberto Carlos. E em Teresina tem a Rainha das Composições, Maria da Inglaterra”. Foi assim que o carioca Ricardo Cravo Albin, crítico e pesquisador de música, definiu essa Maria, após ela se apresentar no primeiro festival de música da sua vida.

Antes Maria Luiza, mulher simples de Luzilândia, interior do Piauí, nunca esperou que as músicas que ela compunha “num tempo em que moça e rapaz pisava no freio” a levassem a ser conhecida nacionalmente.

Mesmo estranhando o Maria “da Inglaterra” (criado por Ricardo Cravo Albin), ela aceitou o novo nome. A forma brilhante de cantar o dia-a-dia do povo sertanejo, a voz forte de rezadeira e o jeito alegre e inquieto, caíram na simpatia popular. Os convites cada vez mais freqüentes para shows, vieram acompanhados da curiosidade de saber como aquela “cabôca” sem estudo compunha músicas e melodias tão bem.

Para dar essa explicação, ela conta uma história um tanto quanto curiosa. Em um final de tarde, Maria avistou uma luz se aproximando, “como se fosse a de um avião que vinha vindo”. Mas logo percebeu que algo diferente acontecia. “A luz era vermelha. Então ela veio e ficou da altura de um poste, rodando bem baixinho e foi crescendo. Percebi que dentro daquela roda tinha duas pessoas. Dava pra diferenciar homem e mulher. Mas logo voltou pela mesma direção que veio”, lembra.

O acontecimento deixou Maria e seu esposo, Otacílio, impressionados. Ela diz que naquela noite teve dificuldades para dormir, e quando foi cochilando...
“Vi quando abriram a porta. No sonho - pra mim aquilo ali foi um sonho - era um homem e uma mulher. O rapaz chegou ‘batendo’ em mim:
- Maria, vamo cantar, Maria? - imagina que ele sabia meu nome!
- Não! Vamo não, porque eu não sei cantar.
- Maria, vamos cantar! Isso aqui já era pra você ter há muito tempo. Mas tu te escusa de quem te procura. Vamo cantar?
- Moço, eu não sei cantar.
- Eu canto e você me acompanha.
- Tá bom!

Aí ele cantou Baião do Cajueiro. Isso ele cantando e eu ajudando, cantando por ‘riba’. Meu marido, o Otacílio, tava acordado, pegou um caderno e uma caneta que tinha assim perto e foi anotando.”

A partir desse dia ela não parou mais. Nas suas contas são 2.502 músicas que surgiam em qualquer situação. Nesses momentos, por não saber ler e escrever, recorria sempre a Seu Otacílio, que “tomava nota de tudo”. Depois que o companheiro faleceu, ela passou a usar um gravador.

“Uma vez estávamos vindo de Brasília e dentro do ônibus vinha uma moça e um rapaz num namoro danado, como os namoros de hoje: come língua, puxa língua. E eu olhando. Depois o ônibus pegou outro passageiro que começou a namorar com essa mesma moça. Eu peguei o gravador e comecei: ‘Viajar com meu amor, eu vou, eu vou / Viajar com meu amor num jardim de flor, eu vou, eu vou / Meu amor é uma paixão louca, beijo na testa, só serve na boca (...)’”, cantarola Maria da Inglaterra.

Foi assim que os dias de Maria Luíza foram ficando para trás: “Hoje ninguém nem lembra mais da Maria Luíza. No dia-a-dia, no noite-noite eu sou Maria da Inglaterra.”. Convidada, passou a rodar o país em apresentações e festivais de música. E larga mão da modéstia dizendo que só participa para ganhar o primeiro lugar. “De primeiro lugar só quem gosta sou eu”, afirma.

“O Peru rodou”, disco que gravou em 2001, veio como realização de um sonho perseguido durante seus 30 anos de carreira. “Nunca desisti, sempre insisti e continuo insistindo. E é assim que tô indo pra frente devagarinho.” E com essa calma, essa persistência, Maria, que da Inglaterra só tem o nome, foi além. Duas de suas músicas, entre elas a faixa que dá nome ao seu disco, compõem o CD do projeto Rumos, do Itaú Cultural. Esse disco é uma coletânea de músicas de 50 artistas populares selecionados por todo o País.

Até o Piauí Pop, maior festival de música do Estado, se rendeu à majestade da Rainha das Composições, batizando um dos palcos do evento com seu nome. Ela fala dessa homenagem com vaidade e muita satisfação. “Homenagem só é bom em vida. Depois que morre não presta. E quando tô no palco me sinto nova, na idade de uma moça”, confessa.

Morando na periferia de Teresina, sustenta um neto com o dinheiro que ganha dos shows. Apesar de levar essa vida simples, sem o glamour característico das Rainhas, ela se considera uma pessoa feliz e sem ambições. E fala com serenidade: “Não tenho nada, mas tenho muita coisa. Basta o nome limpo e conhecido. Eu sei que não vou lucrar nem metade do que deveria com minhas músicas, mas vou deixar alguma coisa para o povo”. Maria ainda conta que já chegou a ter de tudo em casa, mas “vendemos tudo para ganhar o mundo, atrás da música”.

Aos 66 anos, a garganta já incomoda um pouco e a vista não lhe permite mais costurar, umas das coisas que mais gostava de fazer além de cantar.

E seus sonhos, Maria? “Tenho não!” Nem de conhecer Recife? “ Mas esse sonho nem é meu. Os dois lá que apareceram disseram que quando eu subisse na vida, queriam que eu fosse passar um ano na praia de Boa Viagem em Recife. Nesse tempo eu nem sabia se existia a praia de Boa viagem no mundo. Eu disse: tudo bem!”.

Essa Maria “do Piauí”, lenda viva do nosso folclore, confessa que do passado sente apenas saudade do pai e da mãe. E o futuro? “Ah, meu irmãozim, é continuar cantando até Deus quiser.”

Da vida, ela extrai a inspiração para suas músicas. Das músicas ela tira a alegria de viver. E é assim, cantando e vivendo, com um coração grande e sem fronteiras, que Maria Luíza, da Inglaterra e do Piauí, se torna a própria cultura popular.

QUANDO A NOTÍCIA VIROU MÚSICA
Pode ser na rua, em casa ou durante uma viagem. A música vem assim, chega e pronto: é só tomar nota de tudo. Maria da Inglaterra conta como compôs a música que lhe abriu as portas de sua carreira. “O Peru Rodou nasceu com a morte de Agostinho dos Santos (cantor). Ele vinha de avião da Inglaterra para São Luís onde ia fazer um show. O avião, que ele estava, caiu. Enquanto dava comida aos perus, ouvi no programa de rádio a noticia dessa morte. E pedi para o Otacílio trazer o caderno porque essa morte ia dar música. E comecei: ‘eu saí da Inglaterra com destino ao Maranhão, o culpado da minha sina, malvado do avião’. E tinha uns perus lá rodando. Aí eu disse: ‘o peru rodou, rodou, rodou e as meninas dessa terra querem meu amor’”.

Quando Maria Luiza concorreu pela primeira vez em um festival de música, lá estava o Peru. Na ocasião, além de faturar o primeiro lugar, arrancou elogios do crítico e pesquisador de música, Ricardo Cravo Albin, que afirmou ser Maria, a Rainha das composições. Também foi Cravo Albin o criador do nome Maria da Inglaterra, fazendo uma brincadeira com os versos “(...) eu saí da Inglaterra com destino ao Maranhão (...)”.

Ela considera que tem músicas melhores, mas nos shows, se deixar “O Peru rodou” para o final, o público fica insistindo: “E o Peru? E o Peru? E o Peru?”. Maria da Inglaterra ri dessa situação e diz que onde chega “o Peru tem que estar”. “Eu canto o que o povo pede. E o Peru foi quem abriu a porta. Abriu e eu passei”, finaliza.

por: Mayara Bastos e Rômulo Maia

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