10 março 2009

Quando conheci Maria da Inglaterra

O tempo voa. Há mais de dois anos Mayara e eu desembarcamos na Vila do Avião, extremo Leste de Teresina, para entrevistar uma tal Maria Luiza. A pauta era para o jornal O Gancho, publicação do curso de Comunicação Social da Uespi. O ano: 2006.

Descemos em uma praça. Casas pobres, esgotos a céu aberto, bodeguinhas pequenas. De calçada em calçada, de rua em rua, procurávamos nossa entrevistada. Ela, a pessoa mais conhecida da pequena vila encravada na periferia da capital. Nós, dois estudantes ensaiando os primeiros passos como repórteres.

Nos apontaram uma casinha miúda, de esquina. Um portão de grade enferrujado dava acesso ao interior da residência.

Clap! Clap! Clap! A própria Maria atende. Saia azul desbotada, camisa de político, um coque prendendo o cabelo molhado, chinela havaiana, unhas bem feitas e um óculos com lentes marcadas por digitais.

Entramos. Ela puxa duas cadeiras de macarrão e nos convida a sentar. Ajeita outra e senta. Uma senhorinha no alto dos seus 66 anos, frágil, miúda, lúcida. Uma típica sertaneja dona de casa.

Canetas em punho e as informações pesquisadas anteriormente por Mayara deram o mote da conversa. Mas aí não papeávamos mais com uma simples mulher prendada. Estávamos diante de Maria da Inglaterra, nossa real entrevistada, lenda viva do folclore piauiense.

Analfabeta de pai, mãe e parteira, como diria o poeta Jessier Quirino, Maria compõe e interpreta suas próprias músicas. Otacílio, seu marido, era quem tomava nota dos rompantes de inspiração. Com a subida dele ao rol dos bons, um velho gravador passou a registrar tudo.

Hora conversando, hora cantando, chorando ou sorrindo, Maria contou as aventuras e agruras de sua vida de artista sonhadora e pobre. Fez o relato de uma história curiosíssima, quando dois homenzinhos chegaram dentro de uma luz e convenceram-na a cantar. E lembrou de uma época em que vendeu vários pertences para dar prosseguimento à carreira.

Aquela tarde passou voando. Dona Maria da Inglaterra é uma pessoa carente. De bens e afetividade. Ao final da entrevista nos mostrou a casa, fotos, lembranças... Diante do nosso “Temos que ir, Dona Maria.” ouvimos um sincero “Mais tá cedo..” Ela queria conversar mais. Não podíamos.

Como um avó bondosa, nos acompanhou até a parada de ônibus e esperou a condução passar. Embarcamos no coletivo com a garantia de uma nova visita. Nunca cumprimos a promessa.

Domingo passado, dia 08, revi a tia Maria. Não pessoalmente, mas pela TV, no Domingão do Faustão. Com a firmeza de quem já compôs mais de 2.000 músicas; com a ternura de quem nasceu no sertão do Brasil. Fiquei emocionado. Uma lágrima boba escapou pelo canto do olho.

Assistindo a apresentação da Maria da Inglaterra em rede nacional, lembrei de uma frase dela na entrevista de 2006: “Eu sei que não vou lucrar nem metade do que deveria com minhas músicas, mas vou deixar alguma coisa para o povo.” É a velha saga dos artistas populares. Brilhantes, simples, esquecidos... E como conseguem seguir em frente, caminhando e cantando? Uso o último parágrafo da matéria que escrevemos naquele ano para responder:

Da vida, ela extrai a inspiração para suas músicas. Das músicas ela tira a alegria de viver. E é assim, cantando e vivendo, com um coração grande e sem fronteiras, que Maria Luíza, da Inglaterra e do Piauí se torna a própria cultura popular.


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Um comentário:

  1. Anônimo3:51 PM

    "Da vida, ela extrai a inspiração para suas músicas. Das músicas ela tira a alegria de viver."

    O post que eu mais gostei até aqui.

    Sempre encontro pitadas de humor irônico, doses de irreverência e inquietação nos teus textos. Mas o Romulo sensível vai bem mais longe, chega além das palavras.

    Ótimo texto, menino Romulus (ainda no plural - mania indecente!)

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