06 julho 2012

Morte a espera

Foto: Jailson Soares/Jornal O Dia

Uma olhada bastou para sacar a biografia daquele homem. Mãos e pés maltratados, roupa surrada, atadura substituindo o cinto, poucos dentes, rosto vincado por rugas profundas e um chapéu marrom. Agricultor, pobre, nordestino. Ou pobre agricultor nordestino. Tanto faz.


A maior proeza de sua vida, especulo, foi uma pega de boi na mata fechada. Talvez uma panha de feijão farta naquele ano de inverno generoso. 


Na verdade, manter-se vivo é o ato de heroísmo diário de gente como Seu Hermógenes Manoel, 71 anos. Teimando contra as adversidades, vivem. Do jeito que dá, vivem.


Mas essa não é uma história de vencedores, mas, sim, de vencidos. Seu Hermógenes foi herói pela derradeira vez nesta quinta-feira (05 de julho), quando tombou em uma batalha travada a 600 km de casa. Agonizou até não mais respirar sobre o banco de uma parada de ônibus na Avenida Frei Serafim, centro de Teresina. 


Cercado por clínicas e hospitais particulares, o único amparo que recebeu nos momentos finais partiu de um vendedor ambulante. Estava a uns 20 (ou menos) passos do Prontomed Infantil, unidade de saúde para quem tem dinheiro ou plano de saúde. Nem cogitaram leva-lo até lá. As barreiras sociais bloquearam naturalmente a ideia.


O socorro médico demorou 40min. Quando a ambulância do Samu chegou, o agricultor estava morto, com a mão esquerda sobre o peito.


Um problema no coração apagou a existência de Seu Hermógenes. Ele morreu, entretanto, vítima de outro mal terrível: o da omissão. O agricultor deixou sua casa, em São Raimundo Nonato, para buscar tratamento de saúde em Teresina. O município da região Sul do Piauí não conta com um sistema público de saúde minimamente equipado.


Na capital do Estado, passou mal em via pública após pagar R$ 800 por um exame. Gastou as parcas economias porque morreria esperando nas filas dos hospitais públicos da cidade. 


Hermógenes não é o primeiro da família a voltar morto de Teresina. É o terceiro, para ser bem preciso. "O tanto que ele pediu para não morrer aqui", relembra Raimunda dos Santos, sobrinha e única companhia do agricultor em Teresina. "Não sei se é porque a gente é pobre... mas somos seres humanos", disse chorando, ao falar do tempo que a ambulância demorou.


Depois de ser levado para o Instituto Médico Legal (IML) e submetido a exames, o corpo de Hermógenes Manuel foi liberado para o sepultamento. A prefeitura ou algum político de São Raimundo Nonato deve ter-lhe assistido com um caixão e o translado até o jazigo da família. É a parte que lhe cabia nesse latifúndio chamado Piauí.


Maltrata saber que ele foi apenas mais um.

Leia matéria sobre o assunto AQUI

Um comentário:

  1. Anônimo3:28 PM

    é lastimável...eu não entendo pq não levaram para o pronto med.
    Eles tem a obrigação de atender uma urgência....

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