15 julho 2009

Todos anônimos

A Flal (do blog Amar e mudar as coisas) me ligou falando de uma confusão entre moradores de rua ao lado da Igreja São Benedito, Centro de Teresina. Corri para o local e encontrei três pessoas feridas e uma história difícil de ser contada. Ninguém sabia o motivo da confusão e os nomes dos envolvidos foram lacunas que não consegui preencher.

Fui salvo pela leitura recente de “A vida que ninguém vê”, da jornalista Eliane Brum, e pelo exercício do olhar - conselho que a autora faz aos jornalistas na parte final do livro.

Observando o local do embate entre os moradores de rua, elementos totalmente irrelevantes para uma narrativa policial aguçaram minha vista: uma igreja de portas fechadas, feridos esturricando no sol e “fiéis” discutindo sobre a atitude de uma senhora que acionou o Serviço Móvel de Urgência (Samu) para resgatar os feridos.

Eu explico: a igreja que leva o nome de um santo negro cerrou todas as suas entradas para nenhum mendigo profanar o chão católico com sangue pouco nobre. Enquanto isso os três anônimos esperavam o atendimento de urgência (que demorou mais de 40 minutos para chegar) debaixo de um sol de mais de 30ºC. E duas carolas, que acabavam de orar ao senhor, discutiam se foi acertado chamar o Samu, já que os moradores de rua eram apenas uns drogados, sem mãe, sem família. Para fechar, um vendedor de água de coco disse o seguinte: “Se não tivessem chamado a ambulância eu teria jogado um balde de gasolina neles e tocado fogo.”

Circulei pelo local. Ouvi conversas em algumas rodinhas. Entrevistei pessoas que presenciaram o final da briga e outras que transitam frequentemente pela área. Anotei seis ou sete palavras no bloco e retornei para a redação.

Ao narrar a briga entre os sem nome, fiz a opção de não identificar nenhum dos personagens (fossem vítimas, testemunhas ou policiais). Uma atitude proposital, para mostrar que todos somos anônimos na massa cotidiana que bate pernas pelas ruas. Que a vida de cada um é importante ou descartável, dependendo apenas dos olhos de quem as observa. Que os moradores de rua talvez sejam mais gente - cheios de fraquezas, fragilidades e verdades – do que os fiéis que terminavam de orar palavras vazias ao tal do Senhor.

O texto não tem nada demais. Ficou comum e frio como todos os outros, mas traz essa opção estética pelo anonimato dos personagens. Se quiser, clique aqui e leia. Se não, casse algo melhor pra fazer.

3 comentários:

  1. Anônimo9:52 AM

    puts... de todas as violências narradas, a do vendedor de água de coco foi demais...
    Daniel Solon

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  2. fico triste com as atitudes do ser 'humano'..

    ótimo texto!

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  3. "a vida de cada um é importante ou descartável, dependendo apenas dos olhos de quem as observa. Que os moradores de rua talvez sejam mais gente - cheios de fraquezas, fragilidades e verdades – do que os fiéis que terminavam de orar palavras vazias ao tal do Senhor"

    Esse "talvez" é retórico, né não?

    Pena que isso "não cairia bem" em páginas menos pessoais!

    Adorei a indignação "velada" do último parágrafo. "Se quiser, clique aqui e leia. Se não, casse algo melhor pra fazer."

    Texto foda, Rondio!

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