26 julho 2009

O mundo dos outros no meu mundo


Nascer em Pio IX é ter que descobrir o mundo. Não falo nesse mundo de queijos de coalho e doces de leite. Nem do mundo de banhos de bica em dias de chuva e rodetes na praça em busca do aconchego de beiços novos. Esse mundo com gosto de imbu doce e promessas a pagar no Canindé nós conhecemos. E vivemos nele.

O mundo que temos que descobrir tem de dois andares pra cima. Muita gente, muito lixo, muito carro, muito barulho. Tem muito tudo. São lugares onde gente pede dinheiro feito bicho pelas calçadas. E bicho recebe tratamento de gente em clínicas especializadas.

É um dos contatos desse mundo dos outros com o meu mundo que relembro aqui. O ano era 1998. O Piauí era palco de mais uma disputa eleitoral. Mão Santa (PMDB) e Hugo Napoleão (PFL) polarizavam a briga pelo governo do estado.

Não lembro a hora. Sei que era a tarde e o sol amarelava as pedras das ruas. A fuxicada tomava conta das esquinas. Naquele dia um comício do candidato pefelista, conhecido pela sua beleza e pompa americana, movimentaria a cidade.

Sentado na varanda da casa de vovó Teresa, eu me esforçava para entender os resmungos de vovô Chico. Foi quando um esturro veio do céu. Um motor zumbia sobre nossas cabeças. Mesmo acostumados com velhas motos DT's descambando pelas ladeiras de Pio IX, com seus escapamentos barulhentos, ficamos impressionados com aquela histeria mecânica.

Corremos para a calçada. Não estávamos sós. De todos os lados, olhos apertados e dedos miravam o céu. Um grande e reluzente helicóptero cruzava nosso intocado espaço aéreo. Era a primeira vez que um bichão daquelas voava por Pio IX desde quando passei a me entender como gente. E olhem que eu tinha 13 anos completos na época.

A aeronave voou rumo ao bairro Cruzeiro, um dos pontos mais altos da cidade. E por onde passou criou alvoroço. Os vigias de muitos colégios precisaram abrir os portões e liberar os alunos. Onde não fizeram isso, a menineira, guiada pela curiosidade, pouco ligou para os gritos de advertência e saltou os muros das escolas.

Dezenas de crianças e adultos - a pé, em bicicletas, motos ou carros - corriam pelas ruas acompanhando a máquina voadora. Tímido, fiquei na casa de vovó. Não segui os instintos do meu mundo. Por isso soube das novidades muito depois. Não vi, por exemplo, os cabinhas balançando o helicóptero de um lado para o outro. Nem tentando pegar nas hélices paradas. Situações que deixaram o piloto desesperado.

Também não vi o pomposo Hugo Napoleão e o empresário Ary Magalhães (então candidato a senador) saírem do interior do aeronave. A tese de que Hugo era um candidato das elites e pouco afeito ao contato popular foi reforçada naquele dia – pelo menos para os seus adversários políticos na cidade.

Ao encerrar o comício, a dupla trocou alguns apertos de mãos com as lideranças locais, entrou em um carro e voltou para o helicóptero, deixando a cidade com menos estardalhaço do que na chegada. Meses depois as urnas confirmariam a derrota de ambos. Mão Santa e seu populismo "abraça e beija bêbo" venceram aquelas eleições no segundo turno.

Há 10 anos morando em Teresina, sempre estico o pescoço para ver um avião ou um helicóptero que zoam pelo céu. Capital é outra coisa. Passam sempre. A vista já até acostumou, mas a raiz matuta é forte. Continuo achando curioso o voo desses passarões de ferro. Acho até que o pombal deles é por aqui.

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