No dia 21 de junho de 1967, cinco homens cegos se uniram - um Deputado Estadual (Adirceu Nunes), um Vereador (Joel Lorêdo), um topógrafo e dois empresários (Emanuel Veloso e Gerardo Nogueira) – e fundaram a Associação de Cegos do Piauí (ACEP).
Criada com a intenção de resgatar as pessoas cegas da vida de pedintes e “recuperar as sucatas humanas que perambulavam pelas ruas da capital piauiense” (frase de Emanuel Veloso), a ACEP ainda mantêm seus princípios iniciais e trabalha com o propósito de investir na educação e, principalmente, preparar os cegos para o mercado de trabalho.
O bom andamento da Associação fica evidente desde a limpeza de suas paredes até a organização da sua diretoria, que é composta por 10 diretores e seis membros do conselho fiscal. Desfazendo a lógica dos movimentos sociais atuais, onde o refluxo é uma problemática constante, a entidade conta com 800 associados e na última eleição direta, realizada para escolher a nova diretoria, três chapas se organizaram e concorreram na disputa eleitoral.
“A única exigência para que a pessoa se associe, é que ela queira se resgatar para a sociedade. O processo de aprendizagem é eterno e, nós, como cegos, temos que estar aprendendo e sempre aprimorando os nossos conhecimentos”, explica o Tesoureiro da ACEP, o jornalista Francisco Costa.
Chico Costa, como gosta de ser chamado, é cego de nascença e desde 1999 é formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Costa também é bacharel em Letras/Português e especialista em lingüística pela UESPI.
Mais de 30 sócios da ACEP já concluíram o ensino superior. Desse total, cerca de 29 passaram pelos cursos oferecidos pela Associação. Alguns deles começaram desde a pré-escola.
ESTRUTURAS E ATIVIDADES
Dentro da entidade funcionam duas escolas: um pré-escolar – Tia Graça Néri –, que tem como principal objetivo a integração da criança cega com a dita “normal” e o Centro de Habilitação e Reabilitação para Cegos. O Centro funciona como uma escola de reforço para alunos que estudam na rede pública ou privada. Recebem assistência direta das duas escolas, 156 pessoas.
Na ACEP, o deficiente visual é capaz de aprender a pregar um botão, a engomar uma roupa, a cozinhar, a limpar uma casa, a ter orientação e mobilidade. A alfabetização é feita através do braile, que é a forma universal de comunicação dos deficientes visuais (confira box).
Além disso, com o avanço da informática, os cegos já podem desfrutar dos recursos tecnológicos oferecidos pela computação. “Programas adaptados ao computador permitem que os usuários acionem o teclado e ele emita sons, identificado a tecla acessada. Isso facilita o processo de aprendizagem da pessoa cega. Nós contamos com um laboratório de informática adaptado dentro da associação e a partir desse ano, todos os alunos que estiverem no primeiro grau, receberão, obrigatoriamente, aulas de computação”, informa Costa.
A entidade conta também com uma biblioteca com livros em braile; um restaurante que é mantido com a ajuda da sociedade e das autoridades competentes; um veículo que transporta os estudantes que não tem orientação em mobilidade; e em breve contará com um gabinete odontológico, que já está sendo equipando.
Existe ainda um departamento cultural, com um setor de música funcionando, e várias atividades, como peças de teatro e danças, sendo ensaiadas. Alguns alunos praticam futebol de salão e natação. “Isso mostra a nossa disposição em investir não só na capacidade intelectual das pessoas, mas também nos dons artísticos e esportivos”, esclarece Chico Costa.
O corpo técnico da ACEP é formado por servidores cedidos pela Prefeitura de Teresina e pelo Governo do Estado. Essas parcerias têm ajudado a Associação a se desenvolver.
Formam o corpo técnico da entidade uma assistente social e os diretores, orientadores e coordenadores das duas escolas. “Uma equipe pequena, mas eficiente”, descreve Costa.
DIFICULDADES
“SE NÓS IMPLANTARMOS A POLÍTICA DO CONFORMISMO, A VIDA VAI SER UM POUCO MAIS COMPLICADA”.
Com essas palavras, o jornalista Chico Costa deixa clara a disposição da diretoria e dos sócios da ACEP em estar batalhando constantemente em prol de melhorias para a pessoa cega. “Temos trabalhado muito como dirigentes dessa entidade. A Associação de Cegos não deixa a desejar perto de outras instituições que existem pelo Brasil. É uma instituição séria! Não é a toa que está a 39 anos batalhando em prol da pessoa cega”, diz Chico Costa, afirmando ainda que nunca ficarão conformados com o que têm: “Sempre que conquistarmos algo novo, estaremos pensando em novas batalhas para encampar”.
(...) A ASSOCIAÇÃO DE CEGOS DO PIAUÍ NÃO É UM DEPÓSITO DE PESSOAS CEGAS (...)” (Chico Costa)
Da união matrimonial de dois primos legítimos, nasceram três filhos. Todos portadores de deficiências. Um deles é o Tesoureiro da Associação de Cegos do Piauí, Francisco Costa ou Chico Costa, como é popularmente conhecido. Costa é o primeiro Jornalista piauiense cego com formação acadêmica em Comunicação. Ele trabalha na área desde a década de 80, mas se formou apenas em 1999, pela UFPI.
O senhor é formado em jornalismo pela academia ou é do “batente”?
Eu me formei em jornalismo em 1999 pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Também conclui o curso de Letras/Português e fiz especialização em Lingüística pela UESPI. Mas bem antes de entrar na Universidade eu já era locutor de rádio; desde a década de 80. Atualmente apresento um programa na Rádio Antares AM.
Sua deficiência visual é de nascença ou foi causada por alguma doença degenerativa?
Meu problema é hereditário. Meus pais são primos, e isso gerou meu problema e de mais dois irmãos. Porém, a deficiência nunca me impediu de conquistar meus objetivos. A vida segue e a deficiência que fique “de lado”. Ela não vai me tornar uma pessoa impossibilitada de conquistar meu espaço na sociedade.
Quais as principais dificuldades que o senhor enfrentou na época da Universidade?
Se você perguntar: “Existe preconceito?”. Ainda existe. Eu particularmente culpo a nossa cultura. As pessoas não são preparadas para viver ou conviver com “o diferente” e querendo ou não, nós somos “diferentes”.
Hoje é fácil estar com um discurso legal, falando com muita segurança e precisão, mas eu enfrentei diversos obstáculos, vários preconceitos e discriminações latentes. Se não formos determinados, que é algo essencial para uma pessoa cega ou deficiente em geral, nunca iremos atingir aquilo que pretendemos. É claro que a sociedade vai poder fechar as portas para você. E quando estão fechando portas, você tem que aprender a abrir janelas, para que elas te levem a diversos lugares.
Quais seus cargos na direção da Associação de Cegos do Piauí?
Sou o Tesoureiro da Associação e ocupo a direção do Centro de Habilitação e Reabilitação para Cegos, que faz parte da ACEP.
O que é necessário para a ACEP atingir boa parte dos objetivos propostos pela diretoria?
Só vamos conseguir atingir todos os nossos objetivos se a sociedade, as autoridades perceberem que a Associação de Cegos do Piauí não é um depósito de pessoas cegas e, sim, uma instituição que trabalha com o “resgate” dessas pessoas.
“ANTIGAMENTE EU APENAS SONHAVA, MAS AGORA VEJO QUE ESSE SONHO PODE SE TORNAR REALIDADE.”
(Isaias Pereira)
Certo dia, quando Isaias Pereira entrou em um ônibus coletivo, um fiscal da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (STRANS), cobrou-lhe a carteira do passe-livre (documento que permite o acesso gratuito ao transporte coletivo de Teresina). Como não possuía o documento e diante da ameaça de não ter mais gratuidade nos ônibus, Pereira, por indicação do fiscal da STRANS, procurou a Associação de Cegos do Piauí. A intenção era apenas ter acesso ao direito garantido por lei. Sete anos após aquele episódio, Isaias Pereira, 28 anos, que era analfabeto e funcionário de uma panificadora, estuda no ensino fundamental oferecido pela ACEP e apresenta um programa semanal na Rádio Antares AM. A conquista do espaço na rádio veio após participar de uma oficina idealizada pela ACEP em parceria com a Fundação Antares.
O senhor está na Associação há quanto tempo?
Cinco anos e um mês.
Qual a diferença do Isaias antes e depois de freqüentar a ACEP?
Eu cheguei aqui através de um fiscal da Strans, que ameaçou que se eu não pagasse passagem, não poderia mais descer pela frente do ônibus. Ele sugeriu que eu procurasse a Associação dos Cegos para tirar o passe-livre. Eu vim pensando que o único benefício que existia era o passe-livre. Não tinha conhecimento disso tudo (falando da estrutura e das atividades).
Quando cheguei aqui, me deparei com uma situação que não esperava: para tirar o passe-livre pela Associação, eu teria que estudar. Vim a primeira vez em 1999 e não quis ficar. Preferi me dedicar ao trabalho. Em 2001, cansado da rotina diária e da falta de perspectivas da minha vida, resolvi procurar novamente a ACEP. Voltei não mais pensando na carteira, mas em outro futuro: o estudo. Hoje, você fala com um novo Isaias. Um Isaias que pensa em se formar em comunicação. Antigamente eu apenas sonhava, mas agora vejo que esse sonho pode se tornar realidade.
Você possui alguma atividade profissional?
O Chico Costa, juntamente com o diretor da rádio Antares, Jesser Silva, fizeram um projeto, juntaram 11 pessoas cegas e ministraram uma oficina de rádio. Dessas 11, sobraram dois: o Luis Sampaio e eu. Nós apresentamos o programa De olho na cidadania, todos os domingos, das 10 às 12 horas. Nosso programa já está completando oito meses. Essa experiência está sendo muito legal e ficaremos lá (na Antares) até o dia que a emissora nos permitir.
Que enfoque é dado ao programa?
Buscamos trabalhar a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. O programa foca principalmente a Associação dos Cegos, mas é aberto para as outras entidades e para a população de um modo geral.
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